sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Motivos de uma revolta

Por Leandro Malósi Doro, autor do livro Revolta dos Motoqueiros.

O protesto dos motociclistas nas principais capitais brasileiras, no primeiro mês do ano, demonstra como essa é uma categoria unida. Ocorrem devido a quatro novas resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e, em São Paulo, por novas normas estabelecidas pela prefeitura. A maior parte das regras é para aumentar a segurança dos vulneráveis motociclistas no trânsito. Porém repercutem no bolso dos motoboys e mensageiros, que dependem desse veículo para sobreviver.
Os protestos acontecem próximo ao aniversário de 29 anos da Revolta dos Motoqueiros, único episódio de contestação de motociclistas contra a ditadura militar. Em cinco de fevereiro de 1979, em Passo Fundo (RS), Clodoaldo Teixeira, de 17 anos, motoqueiro e funcionário de uma loja de motos fugiu de uma barreira. Foi perseguido e baleado pelas costas, em frente à casa dos pais, que assistiram o ocorrido.
O Motoclube de Passo Fundo organizou protestos para pedir a prisão dos policiais responsáveis pelo assassinato do adolescente. Representantes da Brigada Militar se recusaram a prender os policiais. Reprimiram os protestos, fomentando três dias de revolta popular, que resultou em batalhas nas ruas e mais dois assassinatos. Cerca de dez mil pessoas, entre motociclistas e populares, participaram desse que foi provavelmente a última rebelião urbana ocorrida no interior do Estado no século XX.
O assassinato de Clodoaldo aconteceu em um período especial. Havia desacordo de camadas da população com as lideranças militares, devido à truculência de alguns oficiais e os desmandos de uma ditadura que apresentava sérios sinais de agonia, devido à crise econômica mundial iniciada em 1974 e ao autoritarismo que tolhia a liberdade de expressão e de, portanto, intervir nos rumos da cidade ou da nação. Os mais profundos exemplos desse descontentamento eram as greves dos metalúrgicos no ABC paulista e um ainda insipiente movimento de redemocratização, reforçado pela volta dos exilados pela ditadura militar, entre eles Leonel de Moura Brizola — o caudilho que enfrentou os militares, quando governador, com a Campanha da Legalidade. Havia, também, o ressurgimento da luta pela reforma agrária, impulsionada pelo movimento dos atingidos por barragem, na Encruzilhada Natalino, próximo a Passo Fundo. Na cidade, os motoqueiros e cabeludos eram perseguidos pelos policiais.
A atual revolta dos motociclistas brasileiros nasce em um período totalmente distinto e por motivos muito diferentes da Revolta dos Motoqueiros. Porém demonstra que a união dos motociclistas é antiga e sólida.